Ser pai não é tarefa fácil. Mas isso não é novidade, certo? Os desafios que cada geração enfrenta ao criar seus filhos dependem de sua época. A evolução dos costumes dita o passo da educação familiar. Nos anos 1960, por exemplo, pais tiveram de lidar com filhos que lutavam por mais liberdade. Atualmente, os pais sofrem para acompanhar um mundo que muda velozmente e no qual a tecnologia faz parte do dia a dia como protagonista.

“A modernidade nos apresenta a cada dia algo diferente e se torna praticamente impossível acompanhar todas essas mudanças, pois elas estão em todos os âmbitos de nossas vidas”, diz a psicóloga Raquel Marques, de São Paulo. Adaptar-se a essas transformações é, no mínimo, assustador para quem está vivendo nessa nova era, segundo a especialista.

Veja, a seguir, seis desafios dos pais contemporâneos apontados por especialistas e que vão continuar em pauta num futuro não tão distante.

Mães Ocupadas

Com a crescente presença das mulheres em cargos de chefia, hoje em dia jornadas extras e reuniões de última hora não exclusividade das carreiras masculinas. Em casais de vida profissional ativa, as tarefas são divididas. Assim, eles também são convocados a comparecer em reuniões de escola, consultas médicas e afins, o que acaba modificando não a agenda do pai, mas a própria relação com o filho. Há pouco tempo, não eram raros os pais que sequer conheciam os professores ou o médico da criança.

Felizmente, hoje os homens aceitam melhor a conquista do espaço feminino e colaboram quando necessário, sem nenhum tipo de imposição antiquada, comenta Leonard Verea, psiquiatra italiano radicado em São Paulo.

Infância breve

Esse é mais um sintoma da evolução do mundo. Crianças mais cedo na escola, mais tempo de exposição à TV e ao computador e o fantasma da violência urbana, que mantém a garotada cada vez mais confinada, acabam trazendo a realidade do mundo adulto à rotina infantil. “E com isso uma boa parte da ingenuidade das crianças vai embora mais cedo”, diz Sérgio Franco, autor do livro “500 Melhores Coisas de Ser Pai” (Matrix Editora).

Para a terapeuta familiar Maria Luiza Cruvinel, de São Paulo, na infância encurtada o corpo já é de um adolescente, mas o emocional ainda é infantil. “Assim, os filhos podem ter dificuldade em lidar com emoções e  impulsos”, ressalta. O desafio dos pais não é apenas tentar impedir essa precocidade, já que isso nem sempre está sob seu alcance, mas acompanhar e ajudar os filhos a lidar com esses dilemas.

Sexualidade

A sexualidade precoce é reflexo direto da questão anterior. Para Sérgio Franco, a superexposição e a banalização da sexualidade na música, no cinema, na TV e na internet tornam o sexo mais naturalista e grosseiro que natural. “Obviamente a exposição gera a curiosidade e o conhecimento gera a maturidade. O desafio do pai? Abrir o jogo desde cedo. Ter com seus filhos e filhas as conversas que dificilmente nossos pais tinham conosco e não delegar a educação sexual à escola, à media ou aos reality shows”.

Segundo a psicóloga Raquel Marques, por medo de invadirem a privacidade de seus filhos, muitas vezes os pais os “abandonam” e perdem o controle da situação, não participando da vida deles. Por outro lado, há pais que “podam” seus filhos de forma excessiva, minando assim a possibilidade uma relação mais transparente e flexível. “O diálogo é uma ferramenta preciosa que ajuda a gera um equilíbrio. O erro seria a permissividade ou a repressão pura e simples”, completa Maria Luiza Cruvinel.

Bullying

Na opinião de Sergio Franco, é preciso ter cuidados com o exagero sobre a questão do bullying. “Há que se ter muito cuidado para relevar o estigma de ‘palavra da moda’ e considerar até que ponto essa não é uma condição que sempre existiu”, afirma. “Há uma fase na vida das crianças em que a crueldade é quase uma ferramenta de inserção”.

Segundo ele, os grupos se unem em torno de uma maldade infantil sobre alguém que, dali a um mês, poderá fazer parte do grupo e mexendo com outra criança. “Não é uma prática a ser estimulada nem aceita, mas não é nenhuma aberração da vida moderna”, acredita. Cabe ao pai estar presente, detectar e propor – com base na sua experiência – caminhos, não só se seu filho é vítima de bullying mas se ele é um dos agentes da ação. Simplesmente reclamar do fato com a direção da escola é correr o risco de criminalizar algo que faz parte do desenvolvimento do ser humano. Em contrapartida, ignorar é correr riscos.

Vida digital

Raquel destaca ainda que o pai moderno precisa ter também uma compreensão suficiente do mundo ao redor para dividi-la com os filhos. “Ele deve estar sempre atento à criança, acompanhar seu desenvolvimento, participar ativamente de sua vida, incentivar a criatividade e as iniciativas, a fim de ajudá-la em seu processo crítico, cognitivo e emocional”, diz. Esse papel ficava sob responsabilidade da mãe, mas a vida moderna abriu espaço para que o pai possa desempenhar essa função na vida dos filhos, estabelecendo assim outro tipo de relação.

Em muitos casos, o computador passou a ser o melhor amigo da criança, muito em função do confinamento e até da ausência dos pais, ocupados com o trabalho. “”Não há por que proibir algo que está se tornando vital na vida de todos. Mas pode-se, sim, regularizar o uso”, acredita Sergio Franco. “Juntos, pais e filhos podem estabelecer um conjunto de regras para uso digital, que ambos concordem. Mas, sem dúvida, os pais devem dar orientações claras sobre o uso da internet para seus filhos”, diz Maria Luiza Cruvinel.

Autoestima

Ter boa autoestima é imprescindível para que a pessoa tenha sucesso em todos os âmbitos de sua vida. Autoestima é a reputação que temos com nós mesmos: significa que não é preciso nos acharmos perfeitos, e sim conhecer nossos defeitos, nos permitir errar e, mesmo assim, nos valorizarmos. “Os pais são essenciais neste processo. Para começar, devem tratar da sua própria autoestima, pois pais sem amor próprio vão ter dificuldade em criar filhos emocionalmente saudáveis”, explica Maria Luiza.

Pais podem ajudar os filhos a ter autoestima boa com atitudes simples, como elogios verdadeiros, sem exageros, atenção, e mostrando seu amor pela criança mesmo quando ela não age conforme o esperado. Quando o filho errar, critique o erro, nunca a pessoa – mostre que ele pode e é capaz de fazer diferente. “A autoestima é um fator importante na paternidade hoje em dia. Não podemos dar carinho, atenção, proteção e sermos o modelo de autoridade que nosso filho precisa se não tivermos essa ferramenta internalizada”, afirma  Raquel.

 


* Matéria publicada em portal de notícias como “UOL – Canal Universa”, com minha colaboração profissional. Clique no link pra ser redirecionado à publicação original: UOL – Canal Universa.